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Um Ano Após a Enchente no Rio Grande do Sul: Lembrança, Reflexão e Desafios ainda não Superados
Voltaire Marenzi.
Advogado e Professor.
Maio de 2025 marca um ano desde a maior catástrofe climática da história recente do Rio Grande do Sul. As marcas deixadas pelas águas continuam visíveis não apenas nos cenários urbanos e rurais destruídos, mas também nas memórias e nas vidas de milhares de pessoas que enfrentaram perdas irreparáveis.
No início do mês de maio de 2024, chuvas intensas e contínuas provocaram enchentes devastadoras em diversas regiões do Estado. Municípios como Porto Alegre, Canoas, Lajeado e Roca Sales foram especialmente atingidos. Rios transbordaram, pontes colapsaram e bairros inteiros foram tomados pelas águas. Estima-se que mais de 500 mil pessoas foram diretamente afetadas, entre desalojados, desabrigados e vítimas fatais.
Até hoje as pessoas menos favorecidas vivem em locais totalmente improvisados e com um futuro incerto.
Além do sofrimento humano, a tragédia expôs uma dolorosa fragilidade: a dificuldade das seguradoras em responder de forma eficaz e ágil aos prejuízos sofridos pela população. Em muitos casos, os seguros contratados não previam cobertura para eventos climáticos extremos, especialmente quando classificados como “eventos da natureza” ou “casos fortuitos”, cláusulas que permitiram negativas de indenização ou atrasos significativos nos pagamentos.
Para os segurados, restaram frustrações e um sentimento de abandono. Pequenos comerciantes viram seus estoques perdidos sem compensação. Famílias que haviam contratado seguro residencial não conseguiram reparar ou reconstruir suas casas. A burocracia, aliada à ausência de normativos específicos para desastres de grande escala, escancarou a distância entre a promessa de proteção do setor segurador e a realidade de seus segurados.
Esse drama se repetiu milhares de vezes. Contratos de seguro, tidos como garantias de proteção, revelaram-se frágeis ou ineficazes diante do desastre. Cláusulas que excluíam “eventos climáticos extremos”, “inundações” ou “fenômenos da natureza” serviram de base para negativas em série. Muitos dos que acreditavam estar resguardados foram surpreendidos por respostas lentas, negativas parciais ou pela simples omissão.
A tragédia também evidenciou a urgência de se repensar o papel das seguradoras em um mundo em que eventos climáticos extremos se tornam cada vez mais frequentes. Especialistas têm cobrado do setor não apenas uma revisão nas cláusulas contratuais, mas também um compromisso ético e social mais firme diante de desastres dessa magnitude.
O primeiro aniversário da enchente não deve ser apenas uma data de luto e lembrança. É um chamado à ação. O Rio Grande do Sul ainda se reconstrói – lenta e desigualmente. A solidariedade civil foi notável, mas é necessário muito mais: políticas públicas eficazes, planos de prevenção climática, inclusão social e um setor de seguros mais preparado, mais humano e mais justo.
Sem a participação efetiva do povo gaúcho que se solidarizou com a dor o Estado estaria até hoje em um situação totalmente caótica.
De outro giro, a promessa do Governo Federal não foi cumprida e o Chefe do Poder Executivo Federal afirmou, em caráter nacional, que o nosso Estado foi uma das causas do déficit público. Como isso é possível?
Um Estado pujante como o Rio Grande do Sul que é um dos principais produtores de alimentos do Brasil, com forte destaque no agronegócio, não poderia jamais ser relegado ao oblívio. Sua economia agrícola é diversificada e baseada na produção de grãos, como soja, milho, trigo e arroz – sendo um dos maiores produtores nacionais desses itens. Além disso, o Estado se destaca na pecuária, especialmente na criação de bovinos e suínos e na produção de leite. A vitivinicultura também é relevante, especialmente na Serra Gaúcha. Enfim, a combinação de um solo fértil aliada a tradição no campo faz do Rio Grande do Sul um polo estratégico para a segurança alimentar do país.
A resiliência do povo gaúcho diante das enchentes que assolaram o nosso território ecoa o espírito da Revolução Farroupilha, um dos mais emblemáticos episódios da história sul-rio-grandense. Assim como os farroupilhas enfrentaram adversidades gigantescas durante dez anos de guerra (1835-1845) em busca de autonomia e justiça fiscal, o povo gaúcho de hoje enfrenta com coragem, união e dignidade os efeitos devastadores que ainda remanescem com as enchentes de maio de 2024.
Na Revolução Farroupilha, o gaúcho mostrou-se resistente ao domínio centralizador, erguendo-se contra imposições do poder imperial, mesmo diante da inferioridade de recursos do longo tempo de conflito. Hoje, o mesmo povo, com espírito aguerrido, desafia os estragos da natureza com solidariedade, trabalho e esperança – sem esperar passivamente a ajuda, mas também sendo protagonista de sua reconstrução.
Ambas as situações relevam um traço comum; a fibra de um povo que, diante da adversidade, não se rende. Se ontem foi no campo de batalha, hoje é nos logradouros ainda devastados, nos abrigos, nas mãos estendidas de seus iguais. O orgulho farroupilha, símbolo da identidade gaúcha, vive agora no esforço coletivo para superar mais um provação histórica.
Que a tragédia não se repita. E que, se vier novamente, sejamos mais fortes, mais conscientes e cada vez mais solidários.
Porto Alegre, 07/05/2025.
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